XIV JORNADA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E II CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA, XIV JORNADA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E II CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA

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A FRAGMENTAÇÃO DA NOÇÃO DE HUMANIDADE NAS PESQUISAS SOBRE APRENDIZAGEM DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
Katia Abreu Fonseca, Angelo Antônio Puzipe Papim, Mariane Andreuzzi Araujo

Última alteração: 2018-04-10

Resumo


Em efeito, no desenvolvimento das culturas das quais somos herdeiros, o ato da escrita possibilitou o desenvolvimento de concepções acerca da noção de humanidade em ramificações distintas, com traços bem definidos entre biológico e cultural, dicotomia importante no debate da ciência moderna. Nos primórdios da Psicologia e da Pedagogia, enquanto ciências, sem nenhum embaraço, a primeira definição acerca de sua função era: ciências que tratam da psique e da aprendizagem, da mesma forma que a Biologia trata da vida (JACÓ et al., 2005).

Historicamente, o contraste entre os distintos saberes possibilitou a elaboração de duas interpretações relacionadas ao objeto da ciência: primeira, como relação causal, na qual o fenômeno está associado a um objeto, e, segunda, mais complexa, o fenômeno é concebido enquanto objeto em si mesmo, um algo completamente separado dos fenômenos do mundo e que pode ser examinado por si mesmo (STENGERS, 2002).

Felizmente, a ciência não se ocupou de seu objeto como um fenômeno caracterizado pela existência em separado do mundo, mas o concebeu enquanto objeto em relação causal com o mundo. As diferentes atitudes frente ao estudo dos fenômenos da natureza apontaram para diferentes disciplinas, com um modo histórico de pensar sobre ele (FELDMAN, 2015).

Enquanto ciência, o pensamento histórico adotado em seus passos iniciais deu-se no campo da interpretação da natureza, ligada à cosmologia helênica, cuja aprimoração sobre a percepção sensível do mundo se dava através do pensamento estético da filosofia, que possuía como principal referência a física aristotélica, responsável por instituir a concepção de homem intimamente relacionado com a ordem do mundo natural (STENGERS, 2002).

Entretanto, o estudo do homem em relação à natureza encontrou seu apogeu junto ao Renascimento cultural, com o pensamento de Descartes, Copérnico e Newton. Devido às proposições desses pensadores, a ciência moderna adquiriu sustento e rigor, porém, na forma de um duplo tipo de legitimidade, o qual possibilitou a separação e a categorização das substâncias do mundo em parâmetros de representação claros e distintos, contudo, independentes (ROSSI, 2001).

A partir do processo de separação e descrição racional dos fenômenos físicos, a unidade cosmológica que perdurava no pensamento ocidental, durante séculos, encontrou seu fim derradeiro. A nova concepção de natureza e homem, enquanto unidades distintas, acompanhou a ideia moderna de sujeito-objeto, faceta que inaugurou o estudo do homem através do reducionismo cartesiano e das relações matemáticas. Trata-se de um modo de ver o objeto que registra falência diante da representação moderna de homem e natureza, provocada pelas revoluções (CROCE, 2016).

Se a astronomia e a física encontraram na narrativa descritiva de Copérnico e de Newton uma definição objetiva do objeto científico, o pensamento cartesiano atuou como divisor fundamental entre homem e natureza. Descartes (2001) defendeu a ideia de uma faculdade racional independente, que existe em si mesma e está ligada ao corpo, através da única glândula, denominada glândula pineal, cujo par não existe. Instituiu, assim, a divisão do homem entre duas substâncias, a psíquica e a física. Cada qual seria representada por uma dada área do conhecimento humano. Competia, dessa maneira, o estudo da física à ciência empírica, e os assuntos da alma, à filosofia abstrata.

Com a Revolução Burguesa e a Revolução Industrial, ocorridas entre os séculos XVII e XVIII, uma nova reorganização na forma de conceber os fenômenos passou a orientar a narrativa cientifica e, consequentemente, a definir o papel do homem e da natureza, qualidade que não poderia ser descrita enquanto manifestação distinta e isolada, mas como parte integral e em relação sistêmica, proposta que era amparada pelos pressupostos modernos de um mundo interconectado (HIMMELFARB, 2011).

A divisão cartesiana, séculos depois de sua formulação, inquietou o metódico filosofo alemão Emanuel Kant, em sua cidade isolada no interior da Alemanha. Para o filosofo, a fim de romper com a dicotomia instaurada no pensamento científico de sua época, era imperativo encontrar um ponto de confluência entre a experiência sensível e o plano abstrato. Ele devotara 40 anos de vida para organizar sua concepção filosófica (KOYRÉ, 2011).

Nesse percurso, novas descobertas científicas colaboraram para estabelecer a relação entre homem e natureza. A teoria da evolução das espécies de Darwin, a lei termodinâmica, a Lei de Lavoisier etc.; modelos e métodos de análise também contribuíram com a superação do modelo dicotômico, como o positivismo e o materialismo dialético. Cada qual compõe, brevemente, o extenso plano histórico do nascimento das modernas Ciências Naturais e Ciências Humanas (STENGERS, 2002).

A dicotomia presente na ciência renascentista permaneceu na moderna, indicativo de que, no percurso do pensamento racional humano, nem sempre foi viável assumir uma simbiose com algum pressuposto universal, relacionado à civilização e à contingência, enquanto parâmetro da história. Por vezes, a ciência foi encapsulada em um olhar holista e romântico, profético e sem evidências representativas ou claras, ou seja, atribuídas ao plano real, ao invés de recorrer a recursos ideológicos (STENGERS, 2002).

É um fato que se pode constatar, nas matrizes históricas do pensamento científico, no qual a dicotomia entre homem e natureza permanece atual, visto que, enquanto, de um lado, a ciência responsável pelo estudo da física dos fenômenos adotou uma concepção de objeto natural, retirando o homem social do quadro de sua análise, de outro lado, em uma ciência humana pura, o homem apareceu sem a natureza - quadro perceptível nas divisões metodológicas atuais (KOYRÉ, 2011).

A polarização do pensamento científico acompanhou a teorização de seu objeto, que fez emergir no vocabulário conceitual, sem a possibilidade de nenhum eixo de entrecruzamento, reflexos de sua histórica. Porém, a perspectiva materialista dialética oferece um olhar reconciliador à ambivalência científica, pois defende a ideia de integridade dos opostos em uma unidade, composta por múltiplas determinações, formadora da totalidade dos fenômenos e de sua essência.

Portanto, as diferentes formas de fazer ciência e pensar o mundo sempre estiveram relacionadas às referências e definições conceituais do fazer científico de sua época. A ciência, enquanto fenômeno social, encontra-se atada ao ângulo pelo qual o tempo histórico ocasiona as bases materiais para observar o fenômeno, a fim de estudá-lo. As distintas formas de conceber o objeto de estudo, ao longo do desenvolvimento científico, influenciaram o olhar de gerações de pesquisadores e geraram definições distintas de concepção e noção de homem e natureza, repletas de referências e fundamentos conceitual-ideológicos para eles ancorarem seu pensamento (SERRES, 1996).

Tem-se uma especificidade associada a uma condição epistemológica de fazer ciência. A epistemologia científica será definida como o modo pelo qual as ideias se exprimem e se perpetuam, em um determinado tempo e espaço histórico, de modo a condicionar o pensamento de um determinado campo do saber, o qual reflete na bagagem do pesquisador e em suas considerações acerca do objeto (RICHARDSON, 2008).

O pensamento formalizado na lógica e exposição conceitual do cientista, ou seja, sua forma de expressar determinada visão de mundo, é parte de um plano interno amarrado ao tempo histórico, marca que afeta o campo discursivo do pesquisador, uma vez que a ideia predominante no seu ciclo de convívio será sua fonte para explicar a realidade (FEYERABEND, 2006).

Esses ideais adensam a concepção científica hegemônica que concebe o homem entre natureza e cultura. Por isso, é comum o pesquisador ter algumas referências mais influentes do que outras, direcionando o seu pensar e fazer científico, porque, ora a noção de humanidade é abordada pelas Ciências Humanas por uma perspectiva natural, ligada à biologia, ora por uma perspectiva social, vinculada à cultura.

Tendo em vista o plano de desenvolvimento histórico da ciência, observa-se que a divisão histórica de homem entre natureza e cultura ainda permanece presente na organização dos cursos de ciências humanas, divisão notada nas cadeiras de Psicologia e Pedagogia, fenômeno observável principalmente sobre o estudo do tema desenvolvimento humano e aprendizagem. Em pesquisas relacionadas à área da Educação Especial, sobretudo com o foco na Deficiência Intelectual, que adota a Teoria Histórico-Cultural como aporte teórico, os métodos e as técnicas empregados permanecem com um viés unilateral, ou seja, compartimentalizado, e não moldados na perspectiva dialética.


Palavras-chave


Deficiência intelectual; Teoria histórico-cultural; Humanidade